Por que grandes grupos regionalistas tocam mais em Santa Catarina e Paraná do que no Rio Grande do Sul
29/01/2020 19:57 em MÚSICA

Para alguns dos mais tradicionais conjuntos de baile do Estado, a agenda de shows hoje se concentra mais em Santa Catarina e Paraná do que no Rio Grande do Sul. De uns anos para cá, os Estados vizinhos estão também revelando talentos, como o catarinense Quarteto Coração de Potro (cujo mais recente álbum conquistou o prêmio de melhor disco de música gaúcha do blog Repórter Farroupilha, de Giovani Grizotti) e o paranaense Paulinho Mocelin, que atualmente disputa o mesmo prêmio. Os músicos gaúchos, no entanto, acreditam que uma expansão maior só será possível quando a cultura regional estiver mais forte no próprio RS.

Os Monarcas, grupo com quase 50 anos de história, teve mais de 60% de sua circulação de 2019 voltada a municípios de SC e PR.

— Tem um baile em que a gente costuma tocar todo ano em Blumenau, e todo mundo vai sempre pilchado. Já teve gente importante barrada por estar de cola fina (sem pilcha). Mas, no Rio Grande, tem muitos bailes em que a gente toca que o pessoal vai de tudo que é jeito. Tem gente até de calça jeans — lamenta Gildinho, líder d'Os Monarcas.

Outro importante grupo gaúcho, Os Serranos, fundado em 1968, também circula mais fora do que dentro do RS. Segundo eles, o Estado absorveu apenas 31% de sua agenda no ano passado. Edson Dutra, fundador do conjunto, observa que o percentual seria ainda menor caso o mês de setembro, marcado pela Semana Farroupilha, não fosse levado em conta no cálculo – considerando só o primeiro semestre de 2019, por exemplo, o percentual cai para 29%. O músico observa que, desde o início da carreira, busca expandir sua atuação, mas o ponto de virada foi o início da década de 1990, quando os clubes mais elitizados deixaram o preconceito de lado e também começaram a aceitar os fandangos.

— Foi um divisor de águas. Desde então, não houve mais restrições — conta Dutra.

Com base nos números d'Os Monarcas e d'Os Serranos, é possível concluir que Santa Catarina e Paraná estão mais interessados na tradição gaúcha do que o Rio Grande do Sul? Não é bem assim. Muitos fatores influenciam na menor circulação dos grupos pelo próprio rincão. Um deles, inclusive, atesta a solidez da tradição musical regional no RS: a profusão de grupos que concorrem pelo mesmo público.

— Se um clube pequeno do RS quer promover um baile, mas está com o orçamento curto, acaba contratando um conjunto menor, que toca o repertório d'Os Serranos e de outros artistas. Já para quem vive fora do Estado, quando Os Serranos chegam é como se chegasse um pedaço do Rio Grande. É outro significado — explica Edson Dutra.

A nostalgia é apontada como um fator determinante para a contratação de grandes conjuntos nos estados vizinhos. Trata-se de um circuito que cresce a partir da migração dos gaúchos. Santa Catarina e Paraná são os estados que mais receberam migrantes do Rio Grande do Sul nas últimas décadas – 422 mil e 280 mil, respectivamente, segundo o último Censo. São Paulo, Mato Grosso e Paraguai também receberam muitos migrantes do RS, possibilitando a circulação dos músicos.

— Tem gente que me diz que jamais vestiu bombacha quando morava no RS, mas comprou uma logo que saiu do Estado. Para quem está fora da terra-natal, é preciso trazer para perto de si esses elementos que formam sua identidade — avalia Daniel Hack, gaiteiro d'Os Serranos.

No mês passado, o cantor Joca Martins publicou um vídeo na sua página do Facebook respondendo à pergunta "Por que a música gaúcha não sobe?", recebendo centenas de comentários. Na resposta, o intérprete afirmava que seu desejo era de ver a música do RS "descer", ou seja, ser mais valorizada no seu local de origem. Para ele, as mídias sociais e os algoritmos podem ser ferramentas importantes para impulsionar novos artistas locais, por isso é importante que o público e os músicos curtam e compartilhem trabalhos dos ídolos e colegas.

— Precisamos valorizar a nossa música internamente aqui no Sul. E quando falo em Sul, falo também em Paraná e Santa Catarina. Penso nesse espaço como um bloco cultural só. A questão principal é que não podemos ficar esperando que alguém de fora veja valor no que estamos fazendo — afirma Joca, em entrevista a ZH.

Daniel Hack concorda que os músicos e a sociedade gaúcha devem criar iniciativas para valorizar a produção regional. Para ele, a música do RS carrega grande potencial para conquistar todo o país:

— A nossa música não é feita apenas de melodia, letra e ritmo. Ela tem uma mensagem, algo quase subliminar, que aponta para um conjunto de valores que são universais. Nós cantamos a família, tratamos de emoções que são atávicas, que se repetem de geração em geração, independente de onde o sujeito se encontra.

FONTE : ZH

 

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